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Associações de Doentes

Entrevista presidente da EVITA

Entrevista presidente da EVITA

Em entrevista ao Somos Doentes, Tamara Milagre, Presidente da EVITA – Associação de Apoio a Portadores de Alterações nos Genes relacionados com Cancro Hereditário, conta-nos a história da criação da Associação e os seus principais desafios.

Tamara Milagre - Presidente da EVITA, Associação de Apoio a Portadores de Alterações nos Genes relacionados com Cancro Hereditário

Em Portugal apenas 20% a 30% dos portadores de alterações nos genes relacionados com o Cancro Hereditário estão identificados.

Portugal encontra-se no topo das taxas de incidência da mutação BRCA2 na Europa, a par da Islândia, devido a uma mutação fundadora portuguesa identificada no gene BRCA2.

A EVITA, Associação de Apoio a Portadores de Alterações nos Genes relacionados com Cancro Hereditário, fundada em 2011, nasce com o objectivo de apoiar as pessoas na identificação das alterações genéticas relacionadas com o cancro hereditário.

Sabe-se que cerca de 10 % dos cancros são hereditários. Existem uma série de indícios que sugerem a existência de síndroma de cancro hereditário, como por exemplo:

– Cancro em 2 ou mais membros da mesma família.
– Idade prematura de diagnóstico.
– Tumores primários múltiplos.
– Cancros bilaterais, quando o órgão afectado é par ou duplo (por exemplo, a mama).
– Presença de vários cancros no mesmo paciente.Presença de vários cancros no mesmo paciente.
– Constelação de tumores e de outras anormalidades benignas e/ou compatíveis com um síndroma de cancro específico (por exemplo: mama e ovário).
– Transmissão vertical da doença (de uma geração à seguinte – de pais para filhos, por exemplo).

Tamara Milagre, Presidente da Associação Evita, fez o teste genético e descobriu que tinha uma mutação genética no gene BRCA 1. Enquanto enfermeira, sabia que existiam em Portugal organizações de apoio a pessoas com cancro. No entanto, quando passou por esta situação, percebeu que não havia nenhuma entidade dedicada a orientar os sobreviventes à predisposição de desenvolver cancro, ou seja, aqueles que apresentam um risco muito alto de desenvolver cancro, mas que ainda não adoeceram. Foi assim que, com a ajuda de especialistas e utentes criou a Evita, para apoiar os doentes de cancro hereditário e as respectivas famílias.

A Plataforma Somos Doentes foi conhecer a história e os fundamentos desta associação através da sua responsável, Tamara Milagre, Presidente da Direcção.

SD: Qual a missão da EVITA?
TM: A missão principal da EVITA é prevenir o cancro nos portadores de mutação, ou seja, Salvar Vidas.
Actualmente, a mutação de uma família só é descoberta quando alguém fica doente em idade ainda precoce. Muitas vezes, esta situação só é diagnosticada em situação de doença avançada, pois nem a própria pessoa, nem o profissional de saúde dão a devida atenção aos primeiros sintomas. Uma vez identificada a mutação, dá-se início à investigação dos restantes familiares e ao seu respectivo encaminhamento para uma vigilância e tratamentos adequados.

Nesta situação, o Cancro Hereditário deixa de ser uma doença individual e passa a ser um problema familiar, uma vez que a descendência tem uma probabilidade de 50% de herdar a mutação do respectivo gene através de uma herança autossómica dominante.

Trata-se de um tema bastante complexo e a EVITA presta total acompanhamento às famílias diagnosticadas com cancro hereditário antes, durante e depois do teste genético, num momento caracterizado por grande emotividade e com muita informação para gerir.

Mas felizmente, através da EVITA, o portador de mutação genética de alto risco para o cancro sabe que não está sozinho.

SD: Há quanto tempo existe a Associação?
TM: A EVITA nasceu a dia 31 de Maio de 2011.

SD: Quais os principais objectivos da Associação?
TM: Além do apoio humano e técnico às famílias, é objectivo da EVITA fazer do Cancro Hereditário uma prioridade da saúde em Portugal. As síndromes do Cancro Hereditário são responsáveis por 10% dos cancros mais frequentes e com maior taxa de mortalidade e, também, aquele que tem maior potencial de prevenção e diagnóstico precoce. Ora, na nossa opinião, garantir uma maior prevenção e um diagnóstico precoce é garantir, simultaneamente, maior sustentabilidade para o Serviço Nacional de Saúde.
Portugal encontra-se no topo das taxas de incidência da mutação BRCA2 na Europa, ao lado da Islândia através da mutação fundadora portuguesa no gene BRCA2.
Para a EVITA este facto justifica a urgência de rastrear as portuguesas a partir dos 25 anos de idade.

SD: O que é o Cancro Hereditário?
TM:O cancro é, na sua maioria das vezes, um fenómeno esporádico que resulta do envelhecimento e da interacção genoma ambiente, com consequente acumulação de erros limitados a um conjunto de células. Este tipo de alterações, não estando presentes em todas as células (e não estando nas células germinativas: óvulos e espermatozóides) não foram herdadas, nem serão transmitidas à descendência.
Para alguns tipos de cancro (exemplos: cancro da mama na mulher, cancro da próstata no homem) estão recomendados rastreios aplicáveis à população em geral a partir de determinada idade, para os quais todos devemos solicitar informação e vigilância junto aos nossos médicos assistentes.
Em cerca de 10% dos casos, o cancro surge no contexto de uma síndrome de predisposição para cancro familiar. Resultam de mutações germinativas em genes chave para a tumorogénese (por exemplo: onco-supressores), habitualmente herdados de forma autossómica dominante e com penetrância incompleta, embora alta (que os distinguem de variantes genómicas com aumento de suscetibilidade para cancro, mas penetrância baixa). Assim sendo, o risco de recorrência de doença na descendência de indivíduos afectados, doentes e com mutação identificada é inferior a 50% (resultado do risco de 50% de herdar a mutação x probabilidade <100% de desenvolver a doença mesmo tendo a mutação).

Mutação germinativa por herança autossómica dominante

Estas síndromes apresentam-se como famílias com uma alta incidência de cancro, atingindo mais do que uma geração de um mesmo lado da mesma, em idades jovens, múltiplos, atípicos, com uma agregação específica (por exemplo: cancro da mama no homem e na mulher, cancro da próstata no homem, cancro do pâncreas, melanoma, para o gene BRCA2).

Na suspeita de uma síndrome de predisposição familiar para cancro, está indicada a realização de teste molecular, desde que dele resultem alterações à vigilância, tratamento, prognóstico do utente. Em algumas síndromes é realizada uma probabilidade pré-teste de deteção de mutação que justifique a realização do mesmo.

O estudo molecular familiar deverá ser realizado primeiro na pessoa identificada com cancro em idade mais jovem – que passará a ser o caso índex. Um estudo molecular negativo no caso índex não nos permitirá excluir, com certeza, uma síndrome de predisposição para o cancro (uma vez que a taxa de deteção dos testes é inferior a 100%). Um estudo molecular positivo permitirá a realização de estudos familiares e identificação de portadores de mutação (aos quais serão oferecidas opções de tratamento e medidas profiláticas disponíveis) e de não portadores (sem risco aumentado de cancro, relativamente à população em geral).

Estes estudos, quando preditivos (realizados em pessoas saudáveis), só podem ser realizados a indivíduos maiores de 18 anos (desde que não hajam terapêuticas/ medidas profiláticas válidas abaixo dessa idade – consoante a síndrome), mediante consentimento informado e em consultas próprias de aconselhamento genético.

SD: Como é que as pessoas podem ter acesso a um teste genético? Principais dificuldades e desafios?
TM: As pessoas com história familiar de uma determinada doença genética e com risco potencial de a vir a desenvolver podem fazer um teste genético de carácter preditivo antes do aparecimento de sintomas.

Este teste consiste numa análise ao ADN do indivíduo com o objetivo de detectar mutações nos genes associados ao cancro hereditário. Para a realização do teste preditivo será sempre necessária uma amostra de sangue ou saliva.
Caso um teste preditivo de um indivíduo pertencente a uma família com síndrome de cancro hereditário não mostre alterações genéticas poder-se-á afirmar que o risco desse indivíduo desenvolver o cancro é idêntico ao da população geral.

A primeira pessoa a fazer um teste genético deve ser o familiar sobrevivente de cancro que foi diagnosticado em idade mais jovem (paciente índex). Quem ainda não teve cancro pode receber um resultado negativo, o que não significa que não haja uma mutação na família.

Um resultado negativo do teste genético não nos permitirá excluir com total certeza uma síndrome de predisposição familiar, uma vez que a taxa de detecção dos testes é inferior a 100%. Um resultado positivo permite a realização de estudos familiares e a identificação de portadores de mutação, a quem serão oferecidas opções de tratamento e as medidas profiláticas disponíveis.

O médico de família ou médico especialista pode encaminhar o paciente índex por suspeita de síndrome de cancro hereditário para o aconselhamento genético.

Se tiver indicação para fazer o teste, o Serviço Nacional de Saúde suportará todos os custos.

Os Médicos de Família podem referenciar directamente pelo Alert P1 para Consultas de Genética Médica para os Serviços de Genética do Hospital de Santa Maria ou Hospital de Dona Estefânia (Lisboa), Hospital Pediátrico (Coimbra) ou Centro Hospitalar do Porto/ex Instituto Jacinto Magalhães (Porto), e para as Consultas do Risco Familiar nos IPO´s de Lisboa e Porto.

O resultado do teste é confidencial. O seu médico não pode partilhar esta informação sem a sua autorização. As companhias de seguros não têm autoridade para solicitar resultados ou a realização de testes genéticos, assim como, não podem pedir-lhe a sua história familiar para avaliação de risco. (Lei 12/2005, sobre informação genética). Pode aconselhar-se com o seu médico geneticista e consultar a legislação nacional. O aconselhamento genético deve ser feito por um especialista em Genética Médica.

A predição e o aconselhamento de portadores desses genes, e consequentemente a vigilância apertada, as terapêuticas precoces ou individualizadas, e os testes de rastreio específico, potenciam as possibilidades de cura ou mesmo a prevenção da doença.

O maior desafio é a falta de resposta por parte do Serviço Nacional de Saúde. Os tempos de espera são muito morosos e algumas pessoas recebem o diagnóstico de doença, mesmo antes do resultado do teste e da possibilidade de actuar na prevenção da doença.

SD: Que tipo de apoio de promoção à investigação científica a EVITA presta à Sociedade?Que tipo de apoio de promoção à investigação científica a EVITA presta à Sociedade?

TM:A EVITA tem actualmente vários projectos de investigação em curso, nomeadamente:
1.     Na área de investigação do comportamento do cancro da mama nos portadores da mutação fundadora portuguesa com a ASPIC.
2.     Num relatório sobre a carga do cancro da mama hereditário, em parceria com o i3s e a NOVA SBE.
3.     No desenvolvimento de um bio marcador sensível para o diagnóstico precoce do cancro do ovário. As portadoras desta mutação devem tirar as trompas e os ovários por volta dos 35/40 anos, o que as coloca, 15 anos mais cedo, na menopausa com consequências gravíssimas na qualidade de vida e na saúde da mulher.
4.     Na dinamização de um ensaio clínico no cancro do ovário em colaboração com o Ipatimup e a Fundação Champalimaud.
5.     Na Investigação da radiossensibilidade de portadores BRCA com o IPO Coimbra.
6.     Na investigação dos organoides mamários no IMM para avaliação das causas do desenvolvimento de Cancro nas portadoras de mutação.
7.     Na dinamização do maior estudo sobre factores de risco em portadores de mutação para Portugal sob a coordenação de Steven Narod.
8.     No desenvolvimento de um registo único e inovador de portadores que permitirá compilar dados muito importantes, até agora inexistentes, com o apoio técnico da Prológica, a Plataforma EVITA.
Para além disso, a EVITA promove investigação através do desenvolvimento de projectos de literacia em saúde que ajudam os portugueses a conhecer melhor as causas que estão na origem do cancro hereditário para, assim, conseguirem participar no seu processo de saúde.
A EVITA tem, igualmente, a decorrer uma campanha sobre Medicina de Precisão para que o cidadão conheça a importância da disponibilização dos seus dados em saúde, em cumprimento do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD).

SD: Comemora-se a 4 de Fevereiro o Dia Mundial de Luta contra o Cancro. Que acções foram levadas a cabo? Quais os objectivos? E os principais resultados alcançados?
TM: Aproveitámos o dia 4 de Fevereiro para lançarmos a nossa mais recente campanha “O Futuro já começou” que tem por objectivo contribuir para a investigação em torno do cancro com base na medicina de precisão e ajudar a salvar vidas.

“O Futuro já começou” pretende alargar o conhecimento sobre a medicina de precisão para que os Portugueses percebam que são diferentes e que têm características únicas e, pelo facto, necessitam de tratamentos personalizados.

Esta campanha pretende dar seguimento à iniciativa “Agenda Estratégica para o futuro da Medicina de Precisão em Portugal”, promovida pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), que conta com o apoio da Ordem dos Médicos e o apoio técnico da Ernst & Young (EY).

A medicina de precisão é uma realidade que está cada vez mais presente na prevenção e no tratamento da doença oncológica. Para garantir a sustentabilidade dos melhores cuidados, o cidadão precisa de estar activamente envolvido.

Alancámos milhares de pessoas com dezenas de partilhas de informação nas redes sociais com quase 10.000 seguidores, o que permite a divulgação da informação de forma fidedigna. Contámos, também, com a presença em vários meios na imprensa generalista.

SD: Qual a importância da Plataforma Somos Doentes para a missão e objectivos da EVITA?
TM: A Plataforma informa os portugueses, com certas patologias, como podem encontrar uma associação que ajude à pessoa com doença.

SD: Que desafios gostavam de nos colocar?
TM:Talvez pudessem destacar um e-mail especial para as associações, para envio de eventuais questões, com garantia de resposta em 48h.

Esta entrevista surge no âmbito do ciclo de entrevistas com os responsáveis das Associações de Doentes que colaboram com a APIFARMA através da Plataforma Somos Doentes, e tem como objectivo contribuir para o conhecimento das doenças em Portugal e para a divulgação do trabalho conjunto.

Para mais informações ou consultar o site da Plataforma Somos Doentes.